quinta-feira, abril 27, 2006

Brincar aos tribunais (Parte I)

Quando eu pensava que já tinha visto tudo sobre o funcionamento dos tribunais …

No dia 26, às 9 horas, dirigi-me ao tribunal para ser inquirida como testemunha por videoconferência.
Sobre isto uma pequena nota preliminar: o sistema de inquirição de testemunhas por vídeoconferência permite obter o depoimento de pessoas que residem fora da comarca onde corre o processo, evitando-se assim a sua deslocação com todos os inconvenientes que dai advêm. Ao que acresce o facto de, ao contrário da tradicional inquirição por carta precatória, não ser necessária a presença do juiz no local físico onde a testemunha presta depoimento. Em termos práticos, como me relembrou a funcionária, “fala-se pró computador e o juiz vê-nos lá no outro tribunal”. “Sou só eu como funcionária que tenho de aceitar a ligação e depois deixo-a aqui a falar e quando terminar pode ir embora”.

Às 9 horas cheguei ao tribunal e às 9.30 h a funcionária já tinha conseguido localizar o processo e confirmar o meu nome e categoria profissional. Às 10 horas chamou-me para a sala de videoconferências. Eu não pude deixar de notar que realmente as sucessivas reformas tinham dado os seus frutos. Sim, senhor…
Às 10.30 horas a funcionária anunciou-me que lhe tinham telefonado do outro tribunal a dizer que estavam atrasados, mas que dentro de 30 minutos estabeleceriam ligação. Pronto, afinal retiro tudo o que pensei sobre o sucesso das reformas.
Às 11 horas surgiu no computador a ligação, mas a funcionária de cá tinha ido tirar fotocópias e, por isso, não aceitou a ligação. Passados 5 minutos a mesma coisa. À terceira ainda chamei um outro funcionário para fazer aquele simples clique, mas ele estava mais interessado em equilibrar um monte de processo que carregava nos braços do que em ouvir-me, facto que eu compreendo, até porque um acidente de trabalho custa muito dinheiro ao país.
Às 11.15 h, por pura coincidência espaço-temporal, lá aceitou a funcionária a ligação, apesar dos malabarismos que envolveu um simples clique. Porém, acontece que de lá não tinham imagem de cá. Depois de 15 minutos de uma conversa perfeitamente absurda entre as duas renderam-se ao facto de que não conseguiam resolver o assunto. O que era mais do que esperado, pois a de cá mal conseguia acertar com o cursor do écran. A de lá insistia que o problema era de cá e vice-versa. Tendo a de cá o argumento mais forte de que há 2 dias tinha testemunhado um médico muito importante e tinha corrido tudo bem e a de lá ripostava que daqui só via o interior do computador e uma voz tenebrosa que lhe falava em inglês, tipo uma voz do álem. A ligação caiu. A esta altura o meu estado de espírito ia desde ponderar seriamente o internamento de alguém, talvez o delas as duas, mas o meu também não devia ser excluído preliminarmente.
Pouco tempo depois a de lá tenta a ligação novamente e anuncia para esperarmos mais 15 minutos, pois ia chamar um informático que milagrosamente se encontrava no tribunal. Não pude deixar de pensar que ela não ia conseguir encontrar o informático. Ele já devia ter ido almoçar há muito. Ele e eu, diga-se de passagem.
Às 12.45 horas (depois de 15 minutos de lamentos vários da funcionária – os problemas de cabeça que tinha e de estas coisas só lhe acontecerem a ela e ser uma perda de tempo ela estar ali pois tinha julgamentos com o juiz às 15.45 horas) lá liga o informático. Que depois de uma análise rápida diz que o problema tem de ser de cá e pede à funcionária para lhe confirmar as definições do programa, mais concretamente para abrir a janela y e ir ditando o que estava seleccionado. Foi uma tarefa impossível, pois a sra. já estava absolutamente atarantada e dificilmente conseguia clicar no écran, ao que acresce o facto do programa ser em inglês e ela não saber nem uma palavra. A ligação caiu.
Nisto entra uma colega dela para ver se estava tudo em ordem e tenta outra vez a ligação. Consegue, mas a única coisa que vemos no écran é o informático a abanar a cabeça e a dizer que é tudo muito estranho. Ao fundo, está o juiz e o advogado com caras de desespero a abandonarem a sala. São nesta altura 13 horas.
A esta altura dos acontecimentos sugeri à taralhoca da funcionária que falasse com a colega de lá para saber como iam ficar as coisas. Mas que usasse o telefone fixo e não o computador, como é óbvio. Lá foi ela telefonar e trouxe a novidade de que a inquirição ficava adiada para dia 16 de Maio e ... que tinha até pedido à colega para me notificarem por carta registada para o local de trabalho (até parecia que eu aceitaria qualquer outro tipo de notificação, quiçá de boca), pois estava ali por inerência de funções e devia ser uma testemunha muito importante, pois ao fim de 4 horas o advogado não tinha prescindido do meu depoimento. Bahhhhhh!
No dia 16 lá irei de novo e nem imagino o que me espera. À cautela, no título já coloquei parte I, pois estou convencida que vai haver uma parte II. E se acabar na parte II se calhar já tenho sorte.

9 Comments:

Blogger sombra_arredia said...

Nem quero imaginar o que poderá acontecer...mas é que nem quero!
rsss

Mas pronto...
"Don´t worry, be happy" :)
Lembra-te do grande evento que vai acontecer amanhã por essas terras lusas!
Fnac olé
fnac olé
fnac olé

lol..eu tinha que dizer isto apesar da "aventura" que tive com eles por causa dum certo dvd e tal..

abril 28, 2006  
Blogger xanocas said...

Bem, gaja, isso foi mesmo mau...
Nem imagino como estava o teu humor ao fim das horas ... Fonix.... :)
Eu teria ficado, sem sombra de duvida, a espumar de raiva ao fim de hora e meia... Se não fosse antes!

Mas tenho que confessar que me desmanchei a rir a ler isto!

Beijocas

abril 28, 2006  
Anonymous Anónimo said...

Nossa, Cris!
Que confusão, hein?
Se isso fosse aqui no Brasil, iriam dizer que: "Nada no Brasil da certo!". Confesso que comecei a ler o que vc postou e a cada frase que terminava + eu ficava curiosa para saber o final. Por quê não contraram alguém para auxiliar na hora?
Putz! Escrevi esse coment, nessa madruga (aqui no Brasil) antes de ir dormi + a conexão caiu, ain nem voltei... + cá estou eu novamente! \o/
Enfim, vou me despedindo por aqui, beijim, se cuida!!!! Tenha um ótimo final de semana!!!! ;-)

abril 28, 2006  
Blogger eduardo b. said...

Lindo. Pena ser verdade.

abril 29, 2006  
Anonymous Anónimo said...

Oh meu deus...
realmente este país vai de bom a melhor.
Sinceramente não sei o que terá sido pior: ou o tempo de espera, ou a atabalhoada da funcionária. Falando bom português, eu acho que me tinha passado da carola e mandado a mulher po c******!
Beijinhos, e olha.. BOA SORTE! You'll need it =S

abril 29, 2006  
Blogger Silver said...

he he, hilariante. Bjinhes

maio 03, 2006  
Anonymous Anónimo said...

versão portuguesa do processo de kafka, neste caso:

A ligação de Cristina Cruz

maio 03, 2006  
Anonymous Anónimo said...

Aahh, mas essa funcionária deve ser brasileira... Tem certeza que não era??? E eu que pensava que essas coisas só aconteciam por aqui!!! Imagino a sua irritação na hora, mas o jeito é levar na brincadeira, como você está fazendo... E nós ficamos aqui, só nos divertindo... Bjs.

maio 18, 2006  
Anonymous Anónimo said...

quando o sr. ministro "inventou" a videoconferencia todos ficaram contentes afinal de contas simplicava a vida de pessoas que tinham de se deslocar a outro ponto do país, para na maior parte das vezes, voltarem para traz, não estou com isto a querer defende-lo já que não beneficiou ninguem, mas tambem não é preciso cruxificar os funcionários que foram deixados com o menino nos braços e têm de se arrajar com ele sem que ninguem se importe

junho 12, 2006  

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